No Brasil, o resíduo de cabelo humano ainda é considerado inservível nos mais de 500.000 salões de beleza espalhados pelo território nacional. Não há estimativas da quantidade de resíduos de cabelo gerada anualmente, mas podemos inferir que o descarte inapropriado desse resíduo se trata de um grande problema ambiental.
É importante lembrar que não estamos tratando do mercado internacional de cabelo humano para a produção de perucas e apliques, um mercado global liderado pela China e que terá faturamento estimado acima dos cinco bilhões de dólares até 2024. Em 2017, o Brasil exportou 1,6 t de cabelos naturais, com faturamento de US$ 724,6 mil.
Os resíduos de cabelo humano que não apresentam as características específicas para entrarem nesse mercado, são simplesmente descartados de qualquer maneira na natureza, onde se decompõe muito lentamente ao longo de vários anos, com todos os riscos ambientais envolvidos. Por outro lado, as propriedades únicas do cabelo humano, permitem o reaproveitamento do resíduo proveniente de cortes efetuados nos salões de beleza em diversas aplicações.
“Os resíduos de cabelo muitas vezes são tratados como orgânicos, mas é importante salientar que a grande maioria está carregado de produtos químicos como as colorações”, afirma Hélio M. Hatisuka Junior, diretor da Dinâmica Ambiental, empresa responsável pelo projeto Beleza Verde.
“Entre as aplicações possíveis, avaliamos o uso de resíduos de cabelos na produção de artefatos de cimento”, afirma Cláudio Oliveira Silva, gerente de inovação da Associação Brasileira de Cimento Portland. Neste caso, os fios de cabelo entram na formulação de concretos e argamassa substituindo as microfibras sintéticas de polipropileno, habitualmente utilizadas no concreto com o objetivo de melhorar algumas de suas propriedades, complementa Cláudio.
Inicialmente, foram escolhidos produtos de elevado valor agregado utilizados como revestimentos decorativos. Trata-se de placas cimentícias para revestimentos de parede e piso. Esses produtos podem ser produzidos com variedade de formas, texturas e cores, e como grande vantagem, podem ser especialmente desenhados para retornarem aos salões de beleza como revestimento de pisos e paredes, fechando de forma literal o conceito de economia circular.
“Esse tipo de desenvolvimento somente é possível com iniciativas como o programa Beleza Verde, que sensibiliza o setor de salões de beleza para a importância do tratamento correto dos resíduos gerados nesses estabelecimentos”, diz Tomás Ignacio Bertolacci, Diretor da Lythos, empresa tradicional no segmento de Artefatos Cimentícios.
Entre todos os resíduos gerados nesses estabelecimentos, sem dúvidas nenhuma, os cabelos são o maior desafio.
A proposta de produção de placas cimentícias, atendem às demandas desse setor, de solução para o resíduo de cabelos e ao mesmo tempo surpreende como solução circular sem depender de outros setores.
“As primeiras análises da produção das placas cimentícias com uso das microfibras de cabelo, demostraram muita similaridade com o uso tradicional de fibras sintéticas de polipropileno”, afirma Tomás. “O próximo passo será avaliar as contribuições da fibra de cabelo às propriedades das placas e sua durabilidade frente ao ambiente alcalino do concreto”, complementa Cláudio.
Existem muitas outras possibilidades para o reaproveitamento dos resíduos de cabelo, como muito bem apresentado no estudo realizado por GUPTA que demonstra as possibilidades em áreas que vão da agricultura, medicina, industrial e construção civil, como é essa proposta.
O desafio que se coloca é a implementação em larga escala desses usos, considerando-se as questões ambientais, sociais e econômicas. Nesse sentido, o aprimoramento do uso do resíduo de cabelo como microfibra para artefatos de cimento parece ser um caminho promissor.
A importância da sustentabilidade já é uma realidade em vários setores industriais e com o apoio dos consumidores começa a ser implantado na área de serviços. “Esses avanços devêm ser atribuídos à maior conscientização dos consumidores, que com sua liberdade de escolha, ajudam a disciplinar as ações de mercado”, afirma Hélio.
A tecnologia tem que responder a esse mercado, ávida por soluções inovadoras para problemas recorrentes de nossa sociedade.
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